As ações de cobrança movidas por clínicas de emagrecimento e seus aspectos jurídicos
- Igor Silva
- 29 de nov. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 30 de jan.
Como clínicas de emagrecimento promovem execuções em massa contra pacientes pelo não recebimento do reembolso assistido.

Nos últimos anos o Poder Judiciário está se deparando com massivas ações executórias e de cobranças versando sobre o inadimplemento contratual em contratos de reembolso assistido. Essa situação, que envolve clínicas de emagrecimento, clientes e operadoras de planos de saúde, expõe uma prática comercial controversa, que beira à ilegalidade e impõe uma crise no setor, ocasionando prejuízos ao consumidor final, parte mais fraca da cadeia de consumo.
Desde 2021, quando exposta de forma mais abrangente, é possível verificar o ingresso de ações de execução ou de cobrança por parte de clínicas que fornecem serviços de assistência para emagrecimento, com a prestação de serviços de consultas médicas, exames, tratamentos, nutricionistas, dentre outros. Esses processos são contra consumidores, que usufruíram de serviços, cuja remuneração seria acertada através de reembolsos efetuados por planos de saúde, mas que de alguma forma não ocorreram, sucedendo nas cobranças desses clientes.
Esses contratos, denominados de reembolsos assistidos, consistem na prestação dos serviços sem imediato pagamento, ficando condicionado o adimplemento apenas quando o plano de saúde ou seguro saúde procedesse o reembolso correspondente ao valor da nota fiscal emitida. Em síntese, seria um reembolso sem desembolso pelo consumidor. Por exemplo, o consumidor passa por uma consulta com o endocrinologista, a clínica não cobra o valor da consulta diretamente do paciente, emite uma nota, fecha um contrato em que condiciona o recebimento somente quando o plano de saúde restituir o valor, auxilia no envio da documentação e acompanhamento do pedido, e quando o montante é depositado na conta bancária do cliente, ele fica responsável por repassar à clínica.
Entre a fruição dos serviços, a emissão da nota fiscal e o efetivo recebimento, a clínica exige do consumidor todos seus dados e documentos pessoais, além de login e senha de acesso ao aplicativo do plano de saúde para que ela mesma faça o pedido de reembolso e acompanhe o andamento.
No entanto, o contrato entabulado é de altíssimo risco. Isso porque a credora corre o risco de não perceber os valores caso o plano de saúde, por qualquer motivo, negue ao segurado o reembolso pretendido. Tal situação é prevista de maneira que em muitos contratos há uma cláusula em que a clínica se responsabiliza por negativas decorrentes de sua culpa exclusiva ou por ausência de culpa do consumidor.
Ocorre que desde 2021, ao receberem volumosos pedidos de reembolso das mesmas clínicas, as empresas de plano de saúde e seguro saúde começaram a negar os pedidos, exigindo prévios comprovantes de pagamento, tornando impossível a continuidade do negócio. Ademais, as empresas de saúde tomaram conhecimento de que algumas clínicas estavam emitindo notas frias, de serviços não utilizados ou utilizados por terceiros e até mesmo em valores superestimados. Uma verdadeira fraude ao setor.
Estourada a bolha com o consequente prejuízo experimentado, as credoras passaram a executar os consumidores finais, alegando diversas causalidades para conseguirem levantar ativos. A mais apresentada é a alegação de inadimplemento contratual pelo consumidor, eis que não cooperou para o recebimento do reembolso ou que ele recebeu e não repassou a credora.
Mais do que a procedência do pedido pelos argumentos apresentados, essas clínicas contam com o não comparecimento dos executados em juízo, ensejando à revelia e o benefício da presunção de veracidade dos fatos, prevista no artigo 344 do Código de Processo Civil. Essa situação ocorre em muitos casos seja pela falta de recursos dos executados em constituírem um advogado, seja por acharem desvantajoso pagar pelos serviços de um advogado em razão do valor cobrado, sem se atentarem as correções, juros moratórios e honorários de sucumbência.
Resultando na constrição forçada de bens do consumidor, a clínica consegue diluir o prejuízo suportado.
Contudo, indo de encontro as proteções do Código de Defesa do Consumidor, o paciente acaba por se tornar o único prejudicado, eis que assinou um contrato de adesão de alto risco e não obteve claras informações sobre a natureza do negócio.
Assim sendo, todas as situações, com massivas ações de execução e cobrança, devem ser observadas pelos operadores do direito com cautela, justamente para que o Poder Judiciário não seja utilizado como meio de perpetuação de contratos maliciosos e sem a boa-fé contratual, o que pode ocasionar no desequilíbrio do setor e das relações de consumo.
Igor Silva
Advogado
OAB/SP 482.271
(11) 98814-1303
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